Uma novela de meses pode ter um final na próxima semana, e se tudo der certo, com final feliz. Trata-se da apreciação dos vetos do presidente Jair Bolsonaro (PL) no parlamento, às Lei Paulo Gustavo (PLP 73/2021), que destinaria R$ 3,9 bilhões do superávit do Fundo Nacional de Cultura (FNC) para Estados e municípios; e a Lei Aldir Blanc 2 (PL 1.518/2021), de caráter permanente, que estenderá a política emergencial de socorro à cultura criada em 2020, injetando já no primeiro ano R$ 3 bilhões na área.
A expectativa do setor cultural é de derrubada de vetos com uma expressiva votação, que só poderá acontecer por meio de uma sessão conjunta do Congresso Nacional através deste tipo de procedimento legislativo.
Ao todo, 18 vetos do Presidente Bolsonaro aguardam, no momento, apreciação. Apuração nos bastidores revela que o segundo adiamento se dá porque não houve ainda consenso entre parlamentares, governo e oposição na análise conjunta dos vetos que devem ser apreciados.
A sessão que ocorreria nessa quinta-feira, 2, foi novamente cancelada. A nova previsão é 14 de junho.
Momentos fortes ocorreram em audiência pública realizada na Câmara no dia que era considerado a véspera da votação dos vetos.
A Cultura exige respeito
De forma mais direta, o presidente da Associação dos Produtores de Teatro, Eduardo Barata, afirmou que os trabalhadores em geral da cultura são considerados “inimigos e bandidos” pelo atual governo. “Somos tratados como a escória da sociedade. Isso prejudicou muito nosso setor, mesmo antes da pandemia”, lamentou.
Lembrando que o setor passa por grande desemprego e que isso não afeta só artistas. São técnicos que fazem os espetáculos acontecer, como cenógrafos, iluminadores, montadores de cenários, cinegrafistas.
Barata ressaltou a importância da derrubada de vetos de Bolsonaro às leis Paulo Gustavo e Aldir Blac 2. “A nossa cadeia produtiva está muito prejudicada. Essas duas leis são essenciais para a sobrevivência do setor”, disse.
No mesmo tom, a atriz Júlia Lemmertz pediu respeito. Para ela a derrubada dos vetos é uma forma dos parlamentares “olhar para a cultura”. Apontando para a necessidade de se ter um Plano Nacional de Cultura, completou a atriz, “vamos ser honestos nisso uma vez na vida: você consome, você paga, você fomenta”.
Representando o Fórum Nacional de Secretários de Cultura das Capitais e Municípios Associados, Alexandre Santini também fez coro a derrubada dos vetos de Bolsonaro. Ele que é secretário de Cultura de Niterói, RJ, evidenciou que a Lei Aldir Blanc tem “capilaridade” para garantir recursos para a descentralização e democratização cultural em territórios periféricos urbanos e rurais.
Para que haja derrubada de vetos presidenciais é preciso uma decisão do Congresso Nacional, a votação conjunta de deputados e senadores. Hoje, pelo menos 257 deputados e 41 senadores são o quórum mínimo para que a decisão do presidente seja derrubada. Para que haja quórum e maioria ainda precisam se consolidar acordos e consensos entre as bancadas.
Segundo a Constituição, um veto do Executivo deve ser apreciado em até 30 dias seguidos. Caso isso não ocorra, a matéria passa a trancar a pauta do legislativo.
Isso explica os constantes adiamentos das sessões conjuntas do Congresso Nacional que teve a última realizada em 28 de abril.
Segundo especialistas legislativos, como as sessões desde então têm sido convocadas e posteriormente canceladas, não se conta adiamento da pauta.
A Lei Paulo Gustavo é um exemplo dessa manobra. O veto de Bolsonaro à proposição chegou no congresso no dia 6 de abril, mas figura na agenda de votações desde 6 de maio.
Concretamente, o veto a Lei Paulo Gustavo, entrou na pauta mais de duas vezes. Já a que prevê a continuidade da Aldir Blanc, duas. No entanto, o veto à Paulo Gustavo figura na lista dos que têm prioridade porque podem trancar a pauta do Congresso.
A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), mesmo diante de mais um adiamento da decisão sobre os vetos de Bolsonaro às leis que visam compensar o setor cultural pelas perdas que teve durante a pandemia, comemorou.
“Esta foi uma semana muito importante para a cultura no Brasil. Para cá correram artistas, produtores, gestores e movimentos populares, das periferias, de várias regiões do país.
Segundo a autora da proposição que prorroga a Lei Aldir Blanc por mais cinco anos, “houve muita conversa com os parlamentares. Derrubar os vetos a leis que tiveram 400 votos na Câmara e unanimidade no Senado, é revolucionar o setor cultural”, afirma.
Para a parlamentar, é necessário que o veto, em especial no caso da Aldir Blanc, seja derrubado logo. Só assim será dado “o comando orçamentário este ano para ter efeitos financeiros em 2023. São R$ 3 bilhões por ano na cultura”, lembra.
Segundo Jandira, os vetos se deram por motivação ideológica do presidente da República. “Não tem qualquer problema técnico e por isso foram aprovadas na Câmara por ampla maioria e no Senado por unanimidade”, conclui.
Ambas as leis foram aprovadas por ampla maioria nas duas casas legislativas. Seus nomes homenageiam dois grandes artistas brasileiros mortos pela Covid-19: o ator Paulo Gustavo Amaral Monteiro de Barros, que morreu em maio de 2021, aos 42 anos; e o cantor e compositor Aldir Blanc, que morreu exatamente um ano antes, em maio de 2020, aos 73 anos. Sua adoção poderá representar um novo marco nas políticas públicas de cultura no País, que nunca receberam nem sequer 1% do orçamento da União.
Keyler Simões com Marcelo Menna Barreto,
do site Extra Classe e do site Farofafá